domingo, 29 de março de 2015

Sinho pede para que vocês entendam melhor sobre o : Sacro refúgio

Comunidades religiosas inclusivas ganham espaço no DF. Nelas, cristãos gays podem exercer a fé em Deus sem ter sua orientação sexual condenada


Desde muito pequena, a atendente de telemarketing Vilma Timo sentia-se atraída por outras meninas. Durante 24 anos, dos 16 aos 40, tentou mudar esse desejo, que considerava doentio e demoníaco. Bem antes da popularização do conceito de cura gay, ela resolveu adotar uma fórmula pessoal para escapar das tentações. Passou a adolescência com a Bíblia debaixo do braço e nunca pisou numa boate. Membro da Assembleia de Deus, usava saias longas, cabelos compridos e participava do conjunto de jovens da igreja. A fim de livrar-se dos “pensamentos sujos”, também frequentou todos os cultos de libertação que apareciam na sua frente. Foram horas incontáveis de vigília e oração. Em um dos muitos jejuns que fez, lembra de ter permanecido três dias sem beber nem comer. Sacrifício em vão. Continuou se apaixonando por pessoas do mesmo sexo, sentiu-se muito frustrada por isso e achou, em vários momentos, que Deus não a amava. Lutando contra uma maré de sensações, ficou noiva de um rapaz da sua congregação, mas terminou o enlace quando percebeu que não estava sendo honesta com ele nem consigo mesma. Ela nunca considerou deixar a religião. Acima de tudo, sempre manteve uma fé inabalável em que Jesus Cristo era a salvação. “Hoje eu entendo que não tinha nada a ser curado. Deus me aceita do meu jeito”, diz.

O primeiro grande impulso para conciliar sua crença religiosa com sua orientação sexual veio em 2008. Depois de entrar numa sala de bate-papo de mulheres na internet, ela conheceu a educadora Andrea Oliveira. Em poucos meses as duas estavam namorando. No prazo de um ano, já moravam juntas. Assim que começou a relacionar-se com Andrea, Vilma deixou de ir aos cultos da Assembleia de Deus. Mas não ficou longe da igreja por muito tempo. O segundo passo de sua busca foi dado em 2012, quando o casal homoafetivo achou guarida num templo que recebeu bem as duas. “Poder frequentar a igreja foi uma transformação em nossa vida. Encontramos um refúgio”, afirma Andrea. No ano seguinte, munidas de maior paz de espírito, elas encararam o desafio de uma fertilização in vitro e da maternidade, com a chegada ao mundo da filha, Catarina.

Foi a Comunidade Athos, uma integrante do rol das chamadas igrejas inclusivas, que estendeu a mão para a dupla. Instituições como essa, voltadas para a população LGBT, vêm ganhando seguidores no Distrito Federal, bem como no resto do Brasil. Hoje, calcula-se que 10 000 homossexuais do país congreguem nesses espaços. Na capital, as duas maiores frentes religiosas do tipo crescem em ritmo acelerado. A Athos, da qual Vilma e Andrea fazem parte, exibe o aumento mais expressivo em território candango. Quando foi inaugurada, em dezembro de 2005, a comunidade cristã reunia apenas cinco membros. Pouco menos de uma década depois, 300 fiéis frequentam os três cultos semanais no subsolo do Edifício Eldorado, no Conic, região central de Brasília. Até o fim do ano, a pastora Márcia Dias pretende aumentar seu rebanho em mais 200 indivíduos. Para isso, formou três novas células com o intuito de atender às regiões administrativas de Ceilândia, Gama, Planaltina, Samambaia, Santa Maria, Sobradinho e Taguatinga. Grupos também serão abertos nas cidades goianas de Formosa, Rio Verde e Luziânia. “Recebemos mensagens de evangélicos homoafetivos desesperados de todo o Brasil. Precisamos levar Jesus a essas pessoas. Não são poucos os casos de suicídio nesse contexto”, diz ela. Mãe de três filhos, avó de dois netos e casada com Vera Lúcia da Silva, a pastora lésbica é a principal líder espiritual gay no DF. “Não buscamos que nos aceitem, apenas que consigamos conviver pacificamente”, afirma.

O presbítero Raphael Lira e o pastor Marvel Souza: membros da Cidade de Refúgio, que quadruplicou seus fiéis em um ano de existência (Foto: Roberto Castro)

A pastora Márcia, da Athos: “Não buscamos que nos aceitem, apenas que consigamos conviver” (Foto: Roberto Castro)
Outra comunidade com princípios semelhantes, a Cidade de Refúgio, em Taguatinga, também lidou com uma receptividade que superou as expectativas iniciais de Marvel Souza, seu pastor. Criada em São Paulo, no ano de 2007, ela já marca presença em sete estados. Hoje, é a igreja inclusiva que mais cresce no país. Sua sede paulistana deve inaugurar, em 22 de junho, a primeira etapa de um templo para 2 000 pessoas. A unidade de Brasília, fundada em março de 2014, começou numa sala acanhada. No prazo de um ano, contudo, precisou mudar de endereço duas vezes para atender o número de seguidores no DF, que quadruplicou. Apesar de 99% dos membros da comunidade religiosa serem homossexuais, isso não transparece nos cultos. “A maioria das pessoas que participam pela primeira vez só se dá conta desse aspecto no final, quando eu apresento o meu esposo”, diz Souza. Ele segue a liturgia de igrejas evangélicas tradicionais: oração, testemunhos, louvores, ministração sobre dízimos e palavra pastoral. Toda pregação é feita rigorosamente com o que está escrito na Bíblia.

Boa parte dos fiéis das igrejas inclusivas conta que foi criada em lares religiosos. Eles não só frequentavam os cultos, mas participavam de escolas dominicais, grupos de jovens, retiros e ministérios. Acabaram saindo de suas denominações de origem por causa do sofrimento. Mantinham vida dupla e não se sentiam acolhidos. As famílias, evangélicas fervorosas, costumam cortar laços. Algumas até toleram, mas poucas aceitam. Não são raras as histórias de expulsões humilhantes, com o pastor da igreja anunciando a orientação sexual na frente de todos. Esses cristãos gays seguem a Bíblia, prezam relacionamentos monogâmicos e condenam a promiscuidade. Por isso, sofrem preconceito de ambos os lados: tanto de outros cristãos que veem a homoafetividade como uma heresia quanto de muitos homossexuais que não entendem a opção por um caminho cheio de conflitos e repulsa.

Nessa dura trajetória para equilibrar corpo e alma, essas pessoas encontram apoio nas denominações inclusivas, seguidoras de uma teologia que começou a ser estudada na Inglaterra da década de 50 pelo sacerdote anglicano Derrick Bailey. A primeira igreja propriamente dita, a da Comunidade Metropolitana, surgiu em Los Angeles, nos Estados Unidos, em 1968. Fundada por um ex-ministro batista, o reverendo Troy Perry, ela está presente em diversos países. No Brasil, hoje atuam onze instituições, distribuídas por nove estados. Os grupos inclusivos pioneiros daqui começaram a se formar na década de 90, embora a primeira denominação nacional tenha surgido apenas em  maio de 2002, ano inaugural da Igreja Cristã Acalanto, comandada pelo pastor chileno Victor Orellana
Ao contrário das seitas cristãs tradicionais, as inclusivas não acreditam que a heterossexualidade seja requisito para que alguém tenha acesso à glória de Deus. “Não é porque a igreja é inclusiva que aceitamos o pecado, claro. A única diferença está na forma como interpretamos a homossexualidade”, diz o pastor Alexandre Feitosa. Para ele, as bíblicas Sodoma e Gomorra, por exemplo, foram destruídas porque eram cidades más, e não por admitirem a prática homossexual. Segundo o pastor, nas duas localidades faltavam amor, misericórdia e hospitalidade. Autor de cinco livros sobre a Bíblia e a homossexualidade, Feitosa defende a ideia de que as igrejas tradicionais devem rever suas posições, pôr os trechos condenatórios em contexto, estudar as traduções e olhar a questão gay com maior empatia. Ainda de acordo com ele, seria necessário dar primazia a versículos que dizem que Deus não julga as pessoas e que todos aqueles que creem em Cristo são filhos dele (veja o quadro no final da matéria). “A Bíblia já serviu de suporte para a escravidão e a dominação masculina sobre as mulheres. Hoje, é usada para excluir minorias sexuais”, afirma. O pastor cita o controle da natalidade como uma amostra do que já foi revisto. “Não estamos mais nos tempos de Adão e Eva, quando o mundo precisava ser povoado. As igrejas protestantes, por exemplo, não condenam mais o uso de anticoncepcionais.”
"Isso é tão estapafúrdio quanto criar a igreja dos polígamos, das prostitutas  e dos adúlteros." 
Silas Malafaia, presidente do Conselho de Pastores do Brasil


A questão, contudo, é bem polêmica. Os que fazem essa leitura são frequentemente acusados de falsos profetas, hereges e de manipular a Bíblia. Presidente do Conselho de Pastores do Brasil, entidade que reúne líderes de mais de 10 000 denominações, Silas Malafaia não reconhece essas comunidades. “Para mim, elas não existem. Isso é tão estapafúrdio quanto criar a igreja dos polígamos, das prostitutas e dos adúlteros”, diz. Na visão dele, da mesma forma que é preciso acreditar em reencarnação para ser espírita, um cristão deve entender que a homossexualidade é uma prática pecaminosa e abominável. Esse é um dos princípios da fé. Ainda segundo o pastor, relacionar-se com pessoas do mesmo sexo é um comportamento que pode ser modificado. “Esses pastores homossexuais conhecem muito bem a verdade e sabem que não têm respaldo na Bíblia. Adaptar a palavra de Deus para o pecado é uma piada. Trata-se de uma teologia furada”, afirma.

Para o bispo Robson Rodovalho, líder da Sara Nossa Terra, o cristão gay está em conflito. “Eventualmente, ou ele vai descobrir que é cristão, ou vai descobrir que é gay”, diz Rodovalho. Formado em física, ele explica que, no universo, as forças iguais se repelem e os opostos se atraem. Para o bispo, vivemos numa sociedade democrática e há espaço para todos. Mas ele acredita que a igreja é um lugar reservado para quem busca espiritualização, não prazeres secundários. Na Sara, tenta-se promover a harmonia do mundo interior do gay que procura conforto de espírito. E seus membros são taxativos: a homossexualidade deve ser sublimada para que a felicidade seja alcançada. A pastora Sara Portela garante que curou sua homossexualidade na igreja. Hoje, muitas pessoas visitam seu templo, em Taguatinga, atrás desse tipo de inspiração. “Se a palavra de Deus condena uma prática, nós temos de lutar contra ela”, prega. Para os que afirmam que Sara nunca foi gay, a pastora responde que só ela sabe o que viveu e do que gostava ou não.

Na Igreja Católica, pequenos passos de aproximação com o público LGBT foram dados recentemente. Segundo a Arquidiocese de Brasília, o papa Francisco tem ressaltado que a Igreja deve ser mãe misericordiosa, que acolhe e cuida de todos, sem excluir ninguém. No entanto, não há atividades pastorais na arquidiocese da capital destinadas especialmente a homossexuais. A postura que tem sido adotada é a acolhida respeitosa e fraterna de todas as pessoas nas comunidades. Para a instituição, o valor ou a dignidade de cada indivíduo não dependem de sua condição social ou sexual. Isso não implica, contudo, a perspectiva da realização de casamentos gays, por exemplo.
Caio Fábio, da Caminho da Graça: ele prega que Jesus não condenou a homossexualidade (Foto: Roberto Castro)
No meio-termo desse debate está a Caminho da Graça, do reverendo Caio Fábio D’Araújo Filho. Sua congregação, atualmente sediada na casa onde mora, no Lago Norte, não é voltada para a comunidade LGBT, mas não considera pecadores os gays que a integram. A presença de fiéis homossexuais na Caminho da Graça segue uma proporção semelhante à que existe na população nacional, algo em torno de 10% dos seus membros. Na pregação do reverendo, Jesus Cristo teria tratado de forma tão natural a homossexualidade que nem a menciona. “Se fosse algo tão importante, ele teria tocado no assunto. Mas preferiu marcar temas como avareza, adultério e promiscuidade”, afirma Caio Fábio. Segundo ele, o verdadeiro cristão tem de ser, acima de tudo, um discípulo de Jesus. Na opinião do religioso, o filho de Deus tem primazia sobre os outros apóstolos e profetas. Se ele não condenou a prática, então não há nada de errado. Uma de suas fiéis, que não quis se identificar, diz preferir uma igreja verdadeiramente aberta a uma voltada especialmente para homossexuais.

Nem as discussões fervorosas nem as duras reações a beijos gays exibidos em novelas na TV, no entanto, devem frear o ímpeto de expansão das igrejas inclusivas. A tendência leva a crer que elas deixarão, em breve, o status underground dos últimos anos. Com seis unidades no Rio de Janeiro, duas em São Paulo e uma em Minas Gerais, a carioca Igreja Cristã Contemporânea anuncia seu plano de desembarque no Distrito Federal. Brasília, ainda sem uma data marcada, será o próximo destino, depois de Salvador. “Já estamos preparando pastores versados na teologia inclusiva”, afirma Jorge Garcia, diácono na instituição. 



Um comentário:

  1. O Rev. Caio Fábio escreveu mais de cem livros, e gravou milhares de mensagens sobre o Evangelho e em nenhum desses registros ele disse a idiotice que os gays não são pecadores. Por que cargas d'água ele diria tal estultícia, se há dois mil anos que a humanidade sabe que o cristianismo prega que TODOS os homens são pecadores, inclusive os pastores, os papas, eu e você?
    O que o pastor prega é o que foi pregado pelos apóstolos e atualizado na consciência de quem tendo recebido perdão, também perdoa e ama, deixando para o Eterno o destino espiritual das almas humanas.

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